sexta-feira, 21 de março de 2014

Anotações do Diário de Auguste de Sait-Hillaire- 1821- Parte 3

Anotações  do Diário de Auguste de Sait-Hillaire-
VIAGEM AO RIO GRANDE DO SUL

Sobre os habitantes e seus hábitos

(...) em geral, os homens aqui ( no Rio Grande) falam pouco, mostram extrema ignorância, pouco espírito e sentimento. São grandes, porte bem feito, em geral de bela aparência, mas a natureza parece ter-lhe concedido apenas dons exteriores.


(...) Esse homem (um hospedeiro do autor) se lastima de que tanta gente deixe suas terras para se estabelecer aqui (Capitania do rio Grande, nas missões), onde cometem tantas extravagâncias pelas índias e não se enriquecem nunca. Muitos fogem para não se submeter ao serviço do Rei, pois aqui é muito mais penoso do que na Capitania de são Paulo; outros vêm na esperança de fazer fortuna e se empobrecem mais. A maioria não tem, de início, a intenção de ficar aqui; uns fazem maus negócios e a vergonha os impede de voltar, outros se apaixonam pelas índias e não querem mais separar-se delas, outros afinal, se enredam em diversos negócios complicados e envelhecem, fazendo cada ano o projeto de atravessar o deserto, de volta , no ano seguinte.


 (...) Todos os portugueses se lastimam dos sacrifícios a que se submetem em favor de homens que os maltratam tanto( os comandantes militares da coroa). A generosidade natural lhes faz suportar esses sacrifícios, mas é evidente que para tudo há termo. Desde que esses homens que estão nesta região, podiam ter procurado meios de subsistência, já que, se quisessem, teriam encontrado facilmente trabalho, pois a falta de braços se faz sentir em toda parte.


(...) Sobre os cavalos selvagens(...) As tropas desses cavalos chamados selvagens(...) foram de tal modo perseguidas, que hoje não se aproximam mais dos viajantes; contudo, no dia em que acampamos junto ao Rio Ibá, muitos animais vieram rodear a carroça, galopavam corcoveando e avançaram tanto, que Matias pode matar um jumento a golpe de faca. (...) É evidente que não causam nenhum mal em região deserta, mas serão nocivos nos lugares habitados, porque destroem as pastagens, arrastando consigo os animais domados. Os estancieiros lhes fazem guerra, quando os encontram na vizinhança, com o fim de afugentá-los e de se apoderar dos potros para domesticá-los. Alguns mesmo caçam os jumentos para vender o couro. Os cavalos selvagens de cada tropa caminham sempre muito próximos uns dos outros, mas não seguem nenhuma ordem em sua marcha. Não há entre eles e os cavalos domésticos da região diferença alguma, o que não é de se estranhar, pois estes últimos não recebem cuidado particular e, quando não se destinam à montaria, ficam abandonados nas pastagens em total liberdade como os cavalos selvagens.


(...) Enquanto isso minha gente trabalha para transportar a carroça ao outro lado do Botucaraí. Como este rio tem pouca largura, Matias pensou que poderia empregar o mesmo recurso usado no (rio) Toropi. O barqueiro e várias pessoas presentes o avisaram de que a correnteza era muito forte e que a carroça iria ao fundo ou seria levada pelas águas. Matias teimou em seguir suas idéias, e eu tive a fraqueza de deixá-lo agir. O veículo entrou no rio puxado pelos bois e acompanhado de 2 pirogas(canoas), cujos condutores deviam dirigir os animais. Matias se atirou na água, mas foi ajudado pelo barqueiro, e, apesar dos esforços de meu pessoal, os bois e a carroça, arrastados pela correnteza, desaparecem aos meus olhos, escondidos pelas árvores que margeiam o rio. Logo, no entanto, fiquei sabendo que a carroça havia chegado à outra margem, mas num lugar pouco acessível,, percendo na passagem 2 bois e 1 cavalo. (No dia seguinte), bem antes do amanhecer, meus empregados passaram para o outro lado do rio, abrindo uma picada no mato que margeia o rio, quebraram a cobertura da carroça tirando-a da água.

Enquanto trabalhavam, a chuva caía torrencialmente. Os homens já estavam molhados desde ontem à tarde e não haviam trocado a roupa. Após tirarem a carroça do rio, vieram almoçar com a roupa inteiramente molhada, retornando ao rio para reunir os bois e os cavalos e somente à tarde vestiram roupas secas. Como já disse, o povo desse país suporta, com extrema facilidade, as maiores interpéries(sic); é preciso que chova bem forte para que meus soldados não durmam ao relento; desde que necessário, Matias se joga na água com qualquer tempo sem a menor dificuldade e, apesar de aparentemente fraco, é um homem, de fato, incansável.

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