domingo, 10 de novembro de 2013

Viagem pelo RS de J.G.Semple Lisle- 1797

Parte 7-  Continuação do Cap XXI (pág 236)
Descrição da viagem pelo Rio Grande

4º dia de viagem

No dia seguinte, chegamos à casa de um capitão auxiliar, onde almoçamos e fomos atendidos
de forma hospitaleira. E depois da refeição simples, nós continuamos a viagem e eu fui testemunha da destreza dos índios, que posso não conseguir relatar de maneira completa, pois esta descrição parecerá forçada para exemplificar a maneira pela qual eles usam a correia de couro trançada, chamado nesse país de laço e suas boleadeiras.
No fim daquela tarde , um dos cavalos que seguia adiante de nós, ao contrário do que acontecia normalmente,  parecia determinado a sair da companhia dos outros. Depois de várias tentativas infrutíferas , ele finalmente foi bem sucedido em escapar e galopou para longe numa corrida furiosa; um dos indígenas o perseguiu e eu o acompanhei . Depois de acompanhá-lo por pelo menos 1 hora, por sobre todos os obstáculos, durante este tempo o índio fez várias tentativas vãs de prendê-lo com o laço e , como a noite estava chegando e estávamos quase em um bosque, ainda havia um último recurso a ser usado, e eram as boleadeiras.
As boleadeiras quase nunca eram usadas, apenas quando necessário, devido ao perigo considerável de aleijar o animal; mas a perspectiva de perder o animal na corrida era um pequeno contratempo comparado ao problema que a fera indomável estava causando, então o índio resolveu usar o último recurso. Ele então pegou as boleadeiras, conforme a descrição feita anteriormente, segurando a bola pequena na mão direita sem deixar de perseguir o cavalo, rodando-as em círculos sobre sua cabeça até que ele viu a oportunidade certa; quando ( há cerca de 40 jardas de distância) ele lançou-as com força contra o animal. A boleadeira voou rodopiando pelo ar e se emaranhou completamente nas patas traseiras do animal. Assim prejudicado, o furioso cavalo se arrastou por 1 milha,(pois não podia galopar e literalmente se arrastou) até que a fadiga o compeliu a parar e então o índio, com grande destreza jogou o laço sobre a sua cabeça e manteve-o apertado no seu pescoço. Eu estava curioso para saber como ele soltaria as bolas, que estavam torcidas de uma maneira extraordinária ao redor das patas traseiras do animal, porém eu não ofereci ajuda e assisti ele resolver o problema sozinho. Ele começou por desmontar e ainda mantendo o laço apertado, amarrou um nó com o fim do laço ao redor das 4 patas do cavalo, com o que, em apenas um momento, ele se atirou sobre a lateral do cavalo e colocou seu pé no pescoço do animal, mas sem afrouxar aquela parte do laço que estava rodeando o pescoço e rolou para baixo até atingir as patas traseiras , das quais ele desembaraçou a boleadeira. Depois disto ele soltou o nó que amarrava as patas e permitiu que ele levantasse, puxando-o junto com seu cavalo.

Quando nos reunimos aos companheiros, chegamos a uma casa de fazendeiro, que era também um tenente auxiliar, situada em um local muito romântico; de um lado, a visão é limitada por montanhas, e por outro lado, abre-se para um grande horizonte, onde bosques, lagos e rios são um alívio charmoso um para o outro.

O campo é muito fértil, e as partes não cultivadas abundam , e também há um número imenso de cavalos selvagens e gado; avestruzes, que também são muito abundantes aqui. Fomos recebidos com hospitalidade, e providos com boas acomodações de todo tipo.

5º dia de viagem

Pela manhã continuamos nossa jornada.
Ao meio-dia chegamos a uma fazenda muito pobre, onde não obtivemos refresco, apenas um pouco de leite e nós, portanto, tivemos que recorrer às provisões que tínhamos trazido conosco, e à noite, acabamos em uma fazenda não muito melhor do que a que tínhamos recentemente deixado, e nesta passamos a noite.

6º dia de viagem

Na manhã seguinte, cerca de dez horas, chegamos a um rio, que passamos a vau e, ao meio-dia, chegamos a umas  cabanas de pescadores nas margens do rio, perto de sua foz e fomos novamente obrigados a almoçar das nossas próprias provisões e, em seguida vadeamos o rio uma segunda vez. Cerca de cinco horas da tarde, chegamos a um conjunto de cabanas em ruínas, ocupado por alguns negros, e havia uma nova casa inacabada a uma pequena distância. Aqui não encontramos nada além de um pouco de carne, leite e ovos, e as cabanas dos negros eram tão ruins  e imundas , que era impossível entrar  sem sentir nojo;  a casa nova estava fechada, as janelas foram barradas no interior, uma porta estava trancada por dentro, a outra fechada, e o proprietário, que tinha ido para outra propriedade que ocupou a uma distância considerável, tinha a chave com ele. Nesta situação, muitas vezes eu deitei nos campos, mas eu não me sentia  disposto a fazê-lo, quando uma boa casa aparecia, mas a dificuldade era como entrar nela.
Não podíamos forçar as janelas sem provocar danos, tendo em conta a resistência das barras, mas uma abertura de tamanho considerável sobre cada porta, embora pequena demais para rastejar através dela, deu-nos uma visão do interior da casa. Ao olhar através do buraco sobre a porta que estava trancada, eu poderia perceber por onde estava localizado o ferrolho no interior da outra porta; uma pessoa foi segurada pelo resto de nós, e colocando o braço e um longo pedaço de pau através da abertura sobre a porta trancada, com muita dificuldade, depois de uma série de esforços inúteis, retirou o ferrolho. Encontramos a casa totalmente sem mobília, mas
havia um pedaço de bacon e queijo, o qual usamos para aumentar a nossa refeição. Nós
em seguida, fizemos nossas camas dos nossos panos (carona)do cavalo fomos descansar.

7º dia de viagem

Na manhã seguinte, quando já prontos para partir, resolvemos “aprontar” com o nosso senhorio e, foi isso foi feito obstruindo por dentro o ferrolho da porta trancada, de modo a tornar a sua chave inútil. Em seguida, todos saíram, exceto o menino Richards, que, tendo trancado a outra porta, montou uma pequena plataforma, com a ajuda da qual ele alcançou o buraco por cima da porta. Através deste, com dificuldade, nós o puxamos, e depois de ter empurrado para baixo a plataforma com uma vara, subornamos os negros pelo sigilo e partimos, deixando o proprietário, com sua engenhosidade, maquinar como poderia entrar em sua própria casa.

A noite estava quase escura quando chegamos aqui, mas a bela vista que se descortinou na parte da manhã, fez-me sair deste lugar com arrependimento. Os campos ao redor eram surpreendentemente férteis e abundantes em todas as coisas, a casa onde estávamos era localizada cerca de meia milha de distância de um lago nobre e extenso, limitado por uma margem de grama luxuriante ,e, além, surgiu um bosque de árvores que nunca perdem o seu verdor, enquanto a cadeia de montanhas, que corre ao longo da costa, limita a vista, e todos estão harmonizados, de forma pitoresca, com o azul puro do céu.
Tendo desistido deste bonito cenário, prosseguimos com a nossa marcha e tendo-nos refrescado em uma fazenda, chegamos a Torres, um forte situado em uma proeminência no mar, situado nas fronteiras da província de Rio Grande.
Cerca de 1 légua antes de chegarmos à Torres, a estrada nos conduziu para baixo, ao longo da costa do mar, onde viajamos ao longo da areia, próximos da água, por uma considerável distância. Aqui tivemos uma vista total da montanha, na qual o forte foi construído, e de outra altura, cada uma das quais apresenta uma face perpendicular das rochas ,de impressionante altura, até o mar. Estas com algumas pequenas ilhas escarpadas, muito perto da costa, exibem uma vista majestosa e formam um contraste surpreendente com as cenas de fertilidade que recém deixamos. O forte que pensei, poderia ter sido inexpugnável, mas no seu estado presente , dificilmente merece o nome. Algumas baterias foram começadas, mas nenhuma foi terminada, nem eu vi mais do que duas armas montadas.
O soldado que tem sido nosso condutor na marcha, estava agora tão fatigado, que repouso era indispensavelmente necessário à ele. Seu empenho tem sido surpreendente, porque ele tinha o  comando de tudo , ele tinha que percorrer, no mínimo 3 milhas a mais que nós; meu servo, igualmente, estava totalmente desgastado; eu, portanto, consenti numa parada de 24 horas; à isto eu fui o mais prontamente induzido pela sociedade em que encontrava-mo-nos ser a mais agradável possível e pelo tenente que comandava, ter duas filhas adoráveis que cantavam deliciosamente e tocavam com muito gosto a harpa e outros instrumentos.

8º dia -descanso

Na manhã seguinte à nossa chegada, eu explorei a montanha na qual o forte está localizado, bem como a outra adjacente. A rocha forma uma enseada, ao fundo da qual está uma caverna inacessível; nisto, mesmo em um clima moderado, o mar ruge com um tremendo barulho, que pode ser ouvido a muitas léguas de distância, e algumas vezes, em fortes vendavais do leste, o mesmo se levanta acima dos penhascos.
Por isso, assim como , do forte de Torres, nós podíamos distintamente ver aquelas pequenas ilhas rochosas, que eu mencionei antes; deste local elas pareciam vivas pelo grande número de focas¹ com que estavam cobertas. O tenente mostrou-me várias peles das que ele havia matado, muitas das quais eram completamente tão largas e ásperas quanto um couro de touro.
Estas são as fronteiras mais ao norte da província do Rio Grande e apesar de fracamente povoada, o tenente assegurou-me que ele poderia, a qualquer hora que fosse requerido, juntar quinhentos homens em 24 horas², todos eles treinados para usar armas.
Eu devo aqui salientar que este cavalheiro era mais do que medianamente inteligente e muito capaz de brilhar em uma esfera mais alta do que aquela em que estava.
As únicas mercadorias deste fértil e bonito país são o milho e as peles. Com o primeiro, eles abastecem o resto do Brasil e o último é exportado para o Rio de Janeiro e dali para a Europa.
As cavalgaduras brasileiras poderiam ser consideradas as melhores do mundo, especialmente as destes campos: os cavalos são excelentes e vivem onde um cavalo europeu não conseguiria. Os homens são robustos e resistentes, são acostumados desde a infância à sela, suportam a fadiga no lombo de um cavalo de maneira assombrosa. Todo dragão de milícia, além do seu cavalo, que ele monta, tem de 2 a 5 sobressalentes, que acompanham o regimento; ele carrega, além das armas usuais de um cavaleiro, o laço e a boleadeira, e quando o seu cavalo cansa da jornada ,ele o solta e pega outro, que imediatamente monta. A sua elegância é notável, mesmo os seus adereços, suas grandes esporas e punho da espada são de prata maciça. Os habitantes da província do Rio Grande diferem consideravelmente daqueles do resto do Brasil, tanto quanto daqueles de Portugal; eles são ativos e trabalhadores, notavelmente hospitaleiros com
estrangeiros e exibem fortes traços de animação e bom temperamento em todo olhar.*

Notas da pesquisadora:
1-     Provavelmente eram leões-marinhos, que atualmente ainda aparecem nas pedras de Torres.

2-     Sabe-se que não era bem assim, pois a coroa tinha dificuldade em conseguir soldados para as suas milícias devido a falta de pagamento dos soldos, falta de treinamento, falta de vestimenta adequada e à dificuldade da vida militar errante e penosa em tal província.
* - Grifos meus.

The Life of Major J. G. Semple Lisle, por J.G.Semple Lisle- 1797
London, Printed for W. Stewart, No. 194, Opposite York House, Piccadilly, 1799
O livro está disponível digitalmente , em versão original em inglês. https://archive.org/details/lifemajorjgsemp00sempgoog


Tradução livre feita pela pesquisadora.

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