domingo, 24 de novembro de 2013

Jesuítas e índios Carijós em Laguna- 1605

COSTUMES DOS CARIJÓS (1605/1607- Padre Jerônimo Rodrigues)- Continuação- Parte 2

Relato de um missionário da Cia de Jesus, o padre Jerônimo Rodrigues, que consta em Novas cartas jesuíticas (de Nóbrega a Vieira-1940),  de Serafim Leite, (Pg 237,238,244,245) disponível online em http://www.brasiliana.com.br/obras/novas-cartas-jesuiticas-de-nobrega-a-vieira/pagina/233/texto

 Durante 2 anos , de 1605 a 1607, o padre permaneceu entre estes indígenas.
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CASAS E INSETOS

“As casas dos índios, como não haja terra, são todas de jeçara a pique. E da mesma maneira a nossa casa e igreja, que depois de seca, fica a casa tão clara, que não tem necessidade de abrir as portas. E assim dizíamos muitas vezes missa com a porta fechada, e comíamos sem abrir a porta, vendo da mesa quantos passavam e o mesmo nos viam de fora. E como os ventos cá são grandíssimos de dia nem noite estávamos sem ele.
Há nesta terra grandíssimo número de imundícias, bichos dos pés e muito mais pequenos que os de lá, de que todos andam cheios. E alguns meninos trazem os dedinhos das mãos, que é uma piedade, sem haver quem lhos tire. E um dia destes disse o padre a uma índia que tirasse os bichos a uma sua filha. Respondeu: çocoateim cece. E não lhos tirou. E nós também que estes dous anos bem os sentimos. Pulgas não se pode crer, se se não experimentar, como nós experimentamos estes dous anos, assim no verão, como no inverno, porque grande parte do dia, se nos ia em matar pulgas. E elas foram a perdição de nossas camisas e ceroulas, que pareciam as pintas do sangue delas como pele de lixa. E a mim me aconteceu, por curiosidade, contar as que em uma noite tomei em mim, às apalpadelas, e chegarem a um cento, e pela manhã, ao sol, matar no cobertor trezentas e sessenta e tantas, com cada dia as matar. Agora vejam que podiam fazer 460 e tantas pulgas, afora as muitas que fugiam. 
E daqui vinha a dizer o padre, que não havíamos de adoecer, polas muitas sangrias que as pulgas nos davam; mas eu, pelo contrário, dizia que elas tiravam o sangue bom, deixando o mau; mas não é de espantar haver tanta imundícia por tudo serem campos e areais, e haver infinidade de cães, de que estes são mui amigos, e principalmente da sujidade destes carijós, os quais aonde a vontade de oirinar os toma, aí o fazem, na rede, onde estão comendo, na porta, dentro em nossa casa, falando com homem, e muitas vezes nos nossos pés com as mãos e braços encruzados sem atentarem o que fazem nem se darem por achados de tal sujidade. E o que neste particular mais espanta é, que vem de sua casa para a doutrina, e vêm oirinar a porta da igreja; vêm do mar, ou de buscar lenha, e vêm oirinar no lumiar da porta; e vêm de sua casa para falar conosco, e vêm-nos oirinar à porta. E esta é a causa de haver tanta imundícia.

Além desta, há outra praga de grilos que nos destruíram os vestidos e livros, e são tantos, que matando cada dia grandíssima multidão, um dia por curiosidade quis contar os que tomamos e contei quinhentos e tantos; e ao outro dia creio foram mais, e se queria tomar 40 ou 50, As apalpadelas logo os tomava.
Mas sobre tudo isto, as baratas, que havia, não se pode crer, porque o altar, a mesa, a comida, e tudo, era cheio delas. E o padre todos os dias tomava na sua carapuça um monte delas e com armadilhas todos os dias tomávamos milhares e parece que sempre cresciam, até que chegou seu santiago, que foi dia de Nossa Senhora da Visitação que queimamos a igreja e assim pagaram.

 O MODO QUE TEM OS ÍNDIOS EM VENDER

Tanto que chegam os correios ao sertão, de haver navio na barra, logo mandam recado polas aldeias para virem ao resgate. E para isso trazem a mais desobrigada gente que podem, moços e moças órfãs, algumas sobrinhas, e parentes, que não querem estar com eles ou que os não querem servir, não lhe tendo essa obrigação; a outros trazem enganados, dizendo que lhe farão e acontecerão e que levarão muitas cousas; e outros muitos vêm por sua própria vontade, com suas peles, redes, e tipoias, para resgatarem com seus parentes o que tem necessidade. E a estes tais em pago de lhes trazerem de tão longe (que muitas vezes com a fome e cansaço morrem) o fio, redes, tipoias, e pelejos, vendem os Tubarões aos brancos. E os que vêm, apelidados pelos outros tanto que chegam ao navio, qual de baixo, qual de cima, o que menos pode dão com ele no navio. E assim vendem aos pobres com tão grandíssima crueldade sem lhe terem obrigação alguma. E podendo vender os tapuias, que tomam, antes os querem comer, e vender seus parentes. Depois que nós aqui chegamos houve algumas vendas lastimosas, um mocinho estava pescando para sua mãe, que vai agora conosco, veio por de trás um destes Tubarões e tomou-o, e foi vendê-lo; outro pediu um moço emprestado para lhe trazer um carrego ao navio, e, em pago disso, vendeu-o; outro vendeu dous filhos de sua mulher, que o mantinham e o serviam. E a pobre da mãe, quando isto viu, foi-se meter também no navio. Outro contentou-se de uma índia casada, e para a tomar para sua mulher, vendeu-lhe o marido.(...)

Este é o modo que se cá tem no comprar e vender almas, que custaram o sangue de Cristo. E estas são as consciências dos brancos que cá vêm. Mas de que nos espantamos? pois os religiosos e vigários e administrador e governador do Rio etc. mandam cá e com esta capa se defendem os que cá vêm, dizendo que têm mulher e filhos, e que, se os sobreditos cá mandam, quanto mais eles!...

E por esta causa nos pareceu in Domino não se poder fazer nada com estes, assim pola pouca ajuda que dos brancos temos, antes muita desajuda, como por estes estarem tão metidos nestas vendas e cobiças, e não termos força para os podermos sujeitar à lei de Deus, o que se pudera facilmente fazer se tiveram de quem haver medo, por ser gente coitada e acanhada.(...)”


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