sábado, 9 de novembro de 2013

Viagem pelo RS de J.G.Semple Lisle- 1797


Parte 6-  Cap XXI (pág 236)
Descrição da viagem pelo Rio Grande (pelo chamado Caminho da Praia)*
*Parêntese da  pesquisadora

Eles (Lisle, Black, o garoto, os soldados e índios) então se prepararam para a sua jornada, extremamente fatigante, sobre a qual já tinham sido totalmente informados pelo General e outros  que a conheciam e já a tinham experimentado.
A viagem foi apresentada em termos bem crus, salientando que somente um homem forte, habituado à fadiga poderia suportar tal expedição através de um país com muitos lugares desolados e esparsamente habitados; para segurança dos dois¹, não foi demonstrada apreensão, pois as maneiras de Lisle tinham sido até então do tipo laboriosas e empreendedoras. Porém, com uma bem intencionada seriedade, pediram a ele que não levasse Mr. Black e o garoto Richards com ele. Eles acharam que Mr. Black não era um cavaleiro experiente e o garoto nunca tinha estado numa sela. O armador tratava a fadiga e o perigo com desprezo e, Lisle, estava, além disto, além do desejo por companhia, ligado a Black pela promessa feita anteriormente², quanto ao garoto, era irresistível e por tanto tempo tinha tido somente Lisle como protetor , que não seria dissuadido de acompanhá-lo.

Nota- A partir desta parte até o fim, a narrativa de Lisle foi traduzida como no original, na primeira pessoa.

O modo de viajar neste país é verdadeiramente singular. Não há pousadas ou qualquer lugar onde cavalos descansados possam ser obtidos regularmente, portanto, o viajante leva com ele, de cinqüenta a cem cavalos, a maior parte dos quais nunca foi montado antes;  estes são pegos pouco antes serem usados por um ou dois índios, e quando um cavalo fica exausto ,o índio pega outro. Isso para um europeu não seria fácil, mas aqui é diferente, pois você só tem que apontar o cavalo que você quer e o índio vai diretamente a ele, joga o laço sobre a cabeça do animal e, apesar de todos os seus esforços para se soltar, o leva a você.
Sua Excelência tinha me dado um velho soldado³, que conhecia o país, por guia, e um soldado de milícia para acrescentar à nossa força; tivemos também dois índios para conduzir os nossos cavalos. Nós estávamos equipados com mochilas para a nossa bagagem, que são colocados sobre as costas dos cavalos, um pouco como cestos4 ; nós não tínhamos, entretanto, muito para carregar, consistindo, no todo,  algumas peças de linho, e um casaco de reposição, pois os nossos artigos pesados ​​haviam sido deixados no navio e perdidos pelo mesmo estar destruído.
Despedímo-nos do nosso amigo mais digno e benfeitor , o Governador,(Sebastião Xavier da Veiga Cabral e Câmara) que, juntamente com, a maioria dos oficiais da guarnição nos acompanhou ao lado do rio. O nosso condutor, que já estava na parte norte da vila,(na verdade do outro lado do canal, no vilarejo que se tornaria São José do Norte) já tinha preparado cada detalhe para a nossa partida e nós atravessamos naquela noite, uma distância considerável de pouco mais de 1 légua.

1º dia de viagem
No dia 4 de outubro, por volta das sete da manhã, Black, eu, o pequeno Richards, e um servo que eu havia contratado em Rio Grande começamos a nossa marcha.
Cerca de onze da manhã chegamos à aldeia de Estreito, onde almoçamos com o cura5 que nos deu uma recepção muito amigável. Depois do almoço, retomamos nossa rota com cavalos descansados, e à noite, à cerca de seis horas, chegamos à casa de um Capitão de Cavalaria Auxiliar, cerca de onze léguas distante do lugar de onde nós saímos.
Nós fomos elegantemente entretidos, mas sentamos para a ceia sem criados, pois toda a família estava sob a mais profunda aflição pela perda de uma pessoa aparentada, que morreu alguns dias antes. Essa pessoa tinha chegado a um fim trágico, enquanto nós estávamos preparando a nossa jornada, tendo sido o homem encontrado morto costa acima, perto de São Pedro (Rio Grande). Supôs-se que ele foi pego em uma emboscada, pois tinha sido observado, várias vezes, por seus servos, saindo, no final da noite, disfarçado e armado; pela marca no seu pescoço, era evidente que ele foi pego de surpresa, por um laço*, modo não muito incomum de assassinato naquele país, e ,assim que foi  estrangulado, foi jogado na água.

Um pouco antes de chegarmos a este lugar, onde passamos nossas primeiras horas, o campo começou a ficar mais fértil e a aparecer suas lavouras. Esta casa do capitão é uma das nomeadas para a recepção do governador, em suas viagens entre Port Allegro6, uma cidade situada a cerca de 60 léguas acima de Rio Grande, onde normalmente reside e Port St. Pedro, que ele apenas ocasionalmente visita. Nossa ceia foi, como antes mencionado, muito suntuosa, e poderia ter  generosamente entretido quarenta pessoas, uma vasta quantidade de provisão foi dispensada intocada, e depois de uma ótima sobremesa, e abundância de excelentes vinhos, nos retiramos para descansar; nossas camas eram adequadas para o nosso evento, eu dormi na que era reservada ao para o general, e Mr. Black ,na de seu ajudante. Tudo neste lugar é extremamente agradável, e os jardins são dispostos com gosto, e pertence ao Capitão Luiz de Souza, que, por ser um velho capitão, chamou-o de Tropa Velha7;

*Os nativos dão o nome de laço a tiras de couro trançadas com os quais pegam animais.Nota de rodapé de Lisle

2º dia de viagem
Depois de um pequeno e saudável café da manhã nos despedimos do nosso hospitaleiro anfitrião, e prosseguimos com a nossa jornada por este país bem romântico.
Cerca de onze horas, chegamos a uma cabana, onde não tínhamos nada para comer até que eles mataram uma ovelha, que foi nosso almoço.
Nesta cabana, a tripulação de um navio destruído costa acima há alguns anos atrás, viveu um tempo considerável, e um deles, que abraçou a fé Católica Romana, permanece a algumas léguas de distância. Depois de um curto descanso durante o calor do dia , quando, na verdade, viajar é quase impossível, mais uma vez seguimos a nossa viagem, e naquela noite fomos recebidos na casa do Capitão de Dragões, chamado Jozé Carneiro Geraldes8.
 A casa deste senhor é também uma daquelas onde repousa o General em seus progressos pelo continente e aqui mais uma vez, nos festejaram com suntuosidade. Nossas camas eram extremamente magníficas, e aqui, como na noite anterior, e posso acrescentar, assim como dormimos na casa de repouso de Sua Excelência, eu fui contemplado com a própria cama do general, e Mr. Black com a de seu ajudante.

3º dia de viagem
Na manhã seguinte estávamos bem abastecidos com provisões e com outros itens necessários, e depois de um pequeno café da manhã, fomos em frente.
Na nossa hora de costume, chegamos à vila de Moistardio9, onde almoçamos com o vigário, um homem de boa educação e boas maneiras, que deu-nos uma recepção muito gentil. Esta vila é notável pela sua situação, de estar no meio de um areal, embora cercado por um campo muito fino e fértil, a vila consiste de uma rua larga de casas razoavelmente bem construídas. Depois do almoço, continuamos nossa rota para Nastântia de Pavoz10, uma fazenda real.
Aqui, à quantidade de cavalos que já havíamos coletado e estavam sendo conduzidos diante de nós, adicionamos cerca de uma dúzia, de propriedade da coroa, e distinguem-se por terem uma orelha cortada.
A região adjacente, tão longe quanto permite a vista, é coberta com um número infinito de cavalos selvagens, alguns poucos dos quais podem, de fato, ter sido uma vez ou duas, montado e, em seguida, novamente solto, mas, de longe, a maior parte está em um estado natural. Os habitantes mantêm alguns, muito poucos para serviços domésticos e, quando eles querem algum para serviço do Rei, serviços tais que são feitos freqüentemente, eles pegam os selvagens, e dentre estes assim recolhidos, o viajante deve selecionar aqueles que ele quer para montar. Como nenhum dos meus companheiros britânicos, nem meu servo, eram cavaleiros experientes, eu sempre quis que eles tivessem os cavalos mais mansos. Pequeno Richards, por conta de sua juventude, montou  no mais manso, Mr. Black afirmou que era o próximo na preferência, e, em seguida, meu servo brasileiro, como a mim mesmo, os dragões, e os índios, tomamos qualquer que era oferecido, porque eles, os cavalos, só apareceram porque eram capazes de realizar o seu trabalho.

Notas da pesquisadora:

1-Black e o garoto Richards
2-De que Black acompanharia Lisle à Laguna
3-No original-dragoon-dragão de milícias
4-Bruacas de couro cru
5-Pároco
6-Porto Alegre
7-Manoel Marques de Souza, nasceu na Vila de Rio Grande, em 27 de janeiro de 1743. Na iminência da guerra contra os espanhóis, em 1763-77, alistou-se no Regimento de Dragões do Rio Pardo, tendo se destacado na luta contra os espanhóis até 1774. Por seu valor, intrepidez e profundo conhecimento adquirido dos homens e da terra rio-grandense, foi feito ajudante de ordens, em 1775, do Tenente-General Henrique Bohn, comandante do Exército do Sul estacionado em São José do Norte e encarregado de expulsar os espanhóis da Vila Rio Grande. Lutou e resistiu contra os espanhóis no sítio Rancho Velho ou Tapera Velha. Este tinha um irmão, Luis Francisco Marques de Souza, que pode ser o Luis de Souza citado por Lisle.
Fontes- Informativo Guararapes em http://www.ahimtb.org.br/cangureenchist.htm
Anais da Província de São Pedro, Visconde de São Leopoldo, pg 163
8-Tinha 2 sesmarias na região, na época. Sesmaria 1-1754 – 2 léguas x 1,5 légua de largura – Extensão: duas léguas de comprimento e uma e meia légua de largura.
Localização: terras de campos sitas no Distrito da Freguesia de Mostardas, divide-se a Leste pela ponta do Capão das Melancias, e um Pantano que se separa do Rincão do Cristóvão Pereira e, seguindo o mesmo rumo até o Capão do Tamanduá,  o divide com Antônio Gomes de Carvalho, foi uma pequena lomba com uns arbustos, e do dito Tamanduá a rumo de Sueste até a margem da Lagoa do Peixe, e correndo esta duas léguas, mais ou menos até onde, em linha reta a rumo do Sul Sudoeste vai encontrar uma Sanga ou Pântano junto ao mato da mesma Costa, e da referida Sanga, a rumo ao Oeste – noroeste, se divide com Narciso José de Medeiros e João Felix de Vasconcellos, tocando o Capão de Tavares, e deste a rumo de Nordeste, ficando dentro do terreno do Capão da China, se divide com o Capitão Manoel Marques de Souza por um esteiral que nasce no dito Capão da China e fundo um Capão das Melancias.
Concedida por Luiz de Vasconcellos e Souza em 1782.
Sesmaria 2- 1779 –  1,5 Légua comprimento - Fazenda de Mostardas – sangradouro das Melancias e do Tamanduá. No site- http://marisaguedeshistoriadora.blogspot.com.br/2013/06/distribuicao-das-sesmarias-no-litoral.html
9-Mostardas
10-Não encontrei referência a nome parecido, embora haja o comentário de Lilse de que era uma fazenda real. O material será editado caso se descubra a que estância se refere.

     The Life of Major J. G. Semple Lisle, por J.G.Semple Lisle- 1797
London, Printed for W. Stewart, No. 194, Opposite York House, Piccadilly, 1799
O livro está disponível digitalmente , em versão original em inglês. https://archive.org/details/lifemajorjgsemp00sempgoog

Tradução livre feita pela pesquisadora.

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