Anotações do Diário de
Auguste de Sait-Hillaire-
VIAGEM AO RIO GRANDE DO SUL
Sobre os habitantes e seus hábitos
(...)
em geral, os homens aqui ( no Rio Grande) falam pouco, mostram extrema
ignorância, pouco espírito e sentimento. São grandes, porte bem feito, em geral
de bela aparência, mas a natureza parece ter-lhe concedido apenas dons
exteriores.
(...)
Esse homem (um hospedeiro do autor) se lastima de que tanta gente deixe suas
terras para se estabelecer aqui (Capitania do rio Grande, nas missões), onde
cometem tantas extravagâncias pelas índias e não se enriquecem nunca. Muitos
fogem para não se submeter ao serviço do Rei, pois aqui é muito mais penoso do
que na Capitania de são Paulo; outros vêm na esperança de fazer fortuna e se empobrecem
mais. A maioria não tem, de início, a intenção de ficar aqui; uns fazem maus
negócios e a vergonha os impede de voltar, outros se apaixonam pelas índias e
não querem mais separar-se delas, outros afinal, se enredam em diversos
negócios complicados e envelhecem, fazendo cada ano o projeto de atravessar o
deserto, de volta , no ano seguinte.
(...) Todos os portugueses se lastimam dos sacrifícios a que se submetem em favor de homens que os maltratam tanto( os comandantes militares da coroa). A generosidade natural lhes faz suportar esses sacrifícios, mas é evidente que para tudo há termo. Desde que esses homens que estão nesta região, podiam ter procurado meios de subsistência, já que, se quisessem, teriam encontrado facilmente trabalho, pois a falta de braços se faz sentir em toda parte.
(...)
Sobre os cavalos selvagens(...) As tropas desses cavalos chamados
selvagens(...) foram de tal modo perseguidas, que hoje não se aproximam mais
dos viajantes; contudo, no dia em que acampamos junto ao Rio Ibá, muitos
animais vieram rodear a carroça, galopavam corcoveando e avançaram tanto, que
Matias pode matar um jumento a golpe de faca. (...) É evidente que não causam
nenhum mal em região deserta, mas serão nocivos nos lugares habitados, porque
destroem as pastagens, arrastando consigo os animais domados. Os estancieiros
lhes fazem guerra, quando os encontram na vizinhança, com o fim de afugentá-los
e de se apoderar dos potros para domesticá-los. Alguns mesmo caçam os jumentos
para vender o couro. Os cavalos selvagens de cada tropa caminham sempre muito
próximos uns dos outros, mas não seguem nenhuma ordem em sua marcha. Não há
entre eles e os cavalos domésticos da região diferença alguma, o que não é de
se estranhar, pois estes últimos não recebem cuidado particular e, quando não
se destinam à montaria, ficam abandonados nas pastagens em total liberdade como
os cavalos selvagens.
(...)
Enquanto isso minha gente trabalha para transportar a carroça ao outro lado do
Botucaraí. Como este rio tem pouca largura, Matias pensou que poderia empregar
o mesmo recurso usado no (rio) Toropi. O barqueiro e várias pessoas presentes o
avisaram de que a correnteza era muito forte e que a carroça iria ao fundo ou
seria levada pelas águas. Matias teimou em seguir suas idéias, e eu tive a
fraqueza de deixá-lo agir. O veículo entrou no rio puxado pelos bois e
acompanhado de 2 pirogas(canoas), cujos condutores deviam dirigir os animais.
Matias se atirou na água, mas foi ajudado pelo barqueiro, e, apesar dos
esforços de meu pessoal, os bois e a carroça, arrastados pela correnteza, desaparecem
aos meus olhos, escondidos pelas árvores que margeiam o rio. Logo, no entanto,
fiquei sabendo que a carroça havia chegado à outra margem, mas num lugar pouco
acessível,, percendo na passagem 2 bois e 1 cavalo. (No dia seguinte), bem
antes do amanhecer, meus empregados passaram para o outro lado do rio, abrindo
uma picada no mato que margeia o rio, quebraram a cobertura da carroça
tirando-a da água.
Enquanto
trabalhavam, a chuva caía torrencialmente. Os homens já estavam molhados desde
ontem à tarde e não haviam trocado a roupa. Após tirarem a carroça do rio,
vieram almoçar com a roupa inteiramente molhada, retornando ao rio para reunir
os bois e os cavalos e somente à tarde vestiram roupas secas. Como já disse, o
povo desse país suporta, com extrema facilidade, as maiores interpéries(sic); é
preciso que chova bem forte para que meus soldados não durmam ao relento; desde
que necessário, Matias se joga na água com qualquer tempo sem a menor dificuldade
e, apesar de aparentemente fraco, é um homem, de fato, incansável.
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