Parte 5 - Cap XX (pág 229)
Descrição da Província do Rio Grande e sua incomum
hospitalidade.
No meio de setembro, o General Sebastião
Xavier da Veiga Cabral e Câmara recebeu uma carta do
governador de Montevidéo, estabelecida no lado norte do Rio da Prata ,
relatando que um navio inglês havia sido levado até lá por amotinados, que o
nome do navio era Lady Shore, com soldados britânicos e mulheres condenadas,
que o francês que o comandava declarou que tinham se revoltado em consequência
de terem sido forçados a servirem como soldados, que eles tinham se tornado
mestres do navio perto de Rio Grande e neste processo o capitão, o imediato e
um soldado foram mortos e que eles tinham lançado um bote ao mar, com todas as
coisas necessárias, com um major, dois oficiais de tropa, dois do navio e vários
outros, a alguma distância do Rio Grande.
O governador de Montevidéo expressou sua grande satisfação
ao saber que todos tinham chegado salvos à praia e solicitou ao General, caso
estivessem na sua companhia, que os ingleses se empenhassem em enviar um
relatório do ocorrido, e, acrescentou ele que estava ansioso por isto, pois ele
poderia confiar no relatório dos ingleses, e pensava que não poderia fazê-lo no
dos amotinados.
Foram então feitos 2 relatórios, um pelo oficial Michin e
outro pelo armador e comissário de bordo, John Black.¹
(...)
A província do Rio Grande estava localizada aos 6 graus de
latitude sul e a 34 graus de longitude oeste; o solo era extremamente fértil,
produzindo todas as coisas com abundância e com tais coisas seus habitantes
eram supridos; de fato, o luxo das pessoas abastadas era excessivo, não como
seria de esperar em um lugar quase ermo, separado do resto do mundo.
A vila de São Pedro (Rio Grande) estava situada
há 4 léguas a partir da barra do rio, do qual a província tomou seu nome. Era,
na maioria, de madeira, mal construída, dispersa, com muito poucas boas casas;
existiam 2 ou 3 que consistiam em mais de 1 andar. A casa do governador era
pequena, mas conveniente, situada inteiramente em um plano militar. Consistia de
uma suíte de apartamentos , todos ao nível do chão. Havia uma bonita catedral,
com muitos estabelecimentos adequados, e, supunha Lisle, que lá, como em todo lugar, o
clérigo fosse bem cuidado.
As pessoas, ao contrário da pátria- mãe de Lisle, eram
notavelmente limpas e vestidas de uma maneira esplêndida. A roupa de linho deles
era extremamente fina e sempre muito limpa; para tanto servia o efeito do sol e
a água pura, tal que sua roupa era branca além da imaginação.
A hospitalidade dos rio-grandenses excedia tudo que ele
tinha visto em outras partes do mundo; eles não se contentavam com a fria
civilidade, a qual era dignificada em nome da hospitalidade nos outros países;
eles cortejavam uma sociedade formada por estranhos, meramente para obter
falsos benefícios e eles estavam sempre prontos a prestar serviços a quem se
aproximasse. Mas sua hospitalidade ía além disto: os brasileiros seguiam os
soldados nas ruas, convidando-os a suas casas e prestando favores a eles. Como
os soldados retornaram estes atos de bondade será visto a seguir.
Além das forças regulares, toda a população masculina estava
matriculada na milícia e formava , não os mais disciplinados, mas , de longe, o
mais bem vestido corpo(militar) do mundo; seus coletes e calças eram geralmente
de seda, assim como o forro dos seus casacos e tornavam sua aparência
verdadeiramente elegante. As maneiras ordeiras e civilizadas desse regimento
formavam um contraste gritante com o comportamento dos soldados britânicos que lá
estavam. Estes heróis (os britânicos) estavam sempre discutindo, não só entre
eles e com seus próprios oficiais, mas com seus benfeitores na cidade, a quem
nunca deixaram de conceder cada epíteto abusivo do seu conhecimento do idioma
português, como maneira (obviamente equivocada) de retornar as civilidades que
receberam. Esta conduta irregular e brutal fez o General, o mais suave e humano
homem que existia, aprisioná-los na casa dos guardas, ou melhor, tanto foi o
seu comportamento ,que durante as 7 semanas que permaneceram ali eles nunca
estiveram em total liberdade. Sua Excelência estava tão desgostoso com eles,
que Lisle o ouviu repetidamente dizer que os mandaria para casa às suas custas
,para não lhes permitir ficar no país. Infeliz ficou Lisle em acrescentar que
estes soldados foram visitantes tão frequentes à prisão que os habitantes lhe
deram o nome de Quartel dos Ingleses.
(...)
Pelo dia 20 de setembro eles se prepararam para embarcar num
navio para o Rio de Janeiro, o oficial Minchin, sua esposa, Black e Lisle,
e as esposas dos oficiais e o resto da companhia.
O vento foi desfavorável e eles continuaram por 3 semanas na
embocadura do porto e se divertiram atirando(caçando). Foi encontrado um vasto
número de uma espécie de pássaro, chamado pelos portugueses, Quero-Quero, pelo
seu grito; perdizes eram abundantes, mas havia abundância também de cegonhas,
narcejas, papagaios do mar, etc. O grande número de abutres que abundava no
lugar era uma benção aos habitantes que matavam todo ano um vasto número de
gado selvagem para a retirada do couro. As carcaças que eram deixadas no mato
deveriam, por sua putrefação, causar pestilência, se elas não encontrassem um
fim rápido no apetite devorador daqueles pássaros vorazes.
Eles capturavam este gado de maneira singular: com laço e
com boleadeiras, usadas por índios montados à cavalo,( descritas com espanto por
Leslie.)
As boleadeiras foram descritas da seguinte maneira: o outro
método(para pegar o gado) era com o uso de 3 bolas conectadas por uma tira de
couro, 2 delas com aproximadamente 3 polegadas de diâmetro, e a outra , que era
para ser segura na mão, com 2 polegadas. O caçador, quando queria fazer uso
dela, pegava a bola menor na sua mão direita (levantava o braço acima da
cabeça) e boleava as outras 2 sobre sua cabeça em movimento circular até atingir
a velocidade própria e então ele atirava o dispositivo com tal destreza em
direção às pernas do animal que estava sendo perseguindo, que ele quebrava ou se
emaranhava conforme se conseguisse.
Usando estes artefatos, 300 a 400 mil cabeças de gado eram
abatidas anualmente.²
Eles ficaram vários dias detidos por ventos contrários e era
a opinião geral de todos que conheciam a costa, que o vento não mudaria até a
mudança da lua, e com a ansiedade de Lisle pelo retorno à Europa aumentando, a
sua natural impaciência e temperamento o estavam deixando infeliz. Ele,
portanto, resolveu então pedir permissão ao Governador para ir por terra, a
despeito do perigo e dificuldade para realizar tal expedição; mas antes de
solicitar a permissão, ele consultou o Armador Black fazendo-o prometer que o
acompanharia. Em consequência da resolução do Mr. Black, ele despachou um
mensageiro até Sua Excelência, o General , que com sua usual gentileza e
polidez, mandou uma resposta imediata permitindo sua ida quando ele assim o desejasse
e que poderia levar consigo o que escolhesse.
Na manhã seguinte, ao raiar do dia, eles desembarcaram do
navio para retornar à cidade. Quando eles deixaram o navio o vento estava
contrário, mas justo quando eles atingiram a praia, ele mudou. O piloto³ fez sinal para os navios, 10 ao
todo, para seguirem. Lisle e Black tinham parado na beira do rio e com algum
arrependimento viram os navios saindo em direção ao mar, e todos os navios,
exceto o que eles recém tinham deixado, passaram a barra em segurança. O deles
bateu em um banco de areia empurrado por uma violenta ventania surgida do nada
e o piloto foi socorrê-los, mas vendo-o perdido, com o seu próprio bote e os
lançados do navio tiraram todas as pessoas a bordo. O Sr e a Sra Minchin
salvaram toda a sua propriedade, mas a do Sr Black e a de Lisle foram deixadas
à bordo e depois do navio ser feito em pedaços, o infeliz Black estava de
novo sem nada.
Mr Minchin atracou no lado norte do rio, que é muito amplo,
e Lisle e Black estavam no sul, onde não havia botes para pegarem. Os Minchins
se dirigiram ao bote do piloto e eles montaram os cavalos para irem à cidade.
Mais tarde, Minchin pediu permissão ao General para que
pudesse ir por terra , mas Sua Excelência achou melhor recusar dizendo a ele
que iria providenciar uma passagem em um dos próximos navios que navegaria para
o Rio de Janeiro em poucos dias.
2-O comentário consta do livro e não se sabe quais fontes Lisle usou.
3-O piloto ou prático era funcionário do porto , qualificado e entendido nas águas costeiras, que ficava em um bote na saída da barra, orientando os navios na saída para o mar, pois era quem conhecia a correnteza e os bancos de areia que existiam.
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3-O piloto ou prático era funcionário do porto , qualificado e entendido nas águas costeiras, que ficava em um bote na saída da barra, orientando os navios na saída para o mar, pois era quem conhecia a correnteza e os bancos de areia que existiam.
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The Life of Major J. G. Semple Lisle, por J.G.Semple Lisle- 1797
London, Printed
for W. Stewart, No. 194, Opposite York House, Piccadilly, 1799
O livro está disponível digitalmente , em versão original em
inglês. https://archive.org/details/lifemajorjgsemp00sempgoog
Tradução livre feita pela pesquisadora.
*Algumas partes narradas aqui foram descritas por Guilhermino César, no seu livro Primeiros Cronistas do Rio Grande do Sul, de 1969.
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