Parte 7- Continuação
do Cap XXI (pág 236)
Descrição da viagem
pelo Rio Grande
4º dia de viagem
No dia seguinte,
chegamos à casa de um capitão auxiliar,
onde almoçamos e fomos atendidos
de forma hospitaleira. E depois da refeição simples, nós
continuamos a viagem e eu fui testemunha da destreza dos índios, que posso não
conseguir relatar de maneira completa, pois esta descrição parecerá forçada
para exemplificar a maneira pela qual eles usam a correia de couro trançada,
chamado nesse país de laço e suas boleadeiras.
As boleadeiras quase nunca eram usadas, apenas quando
necessário, devido ao perigo considerável de aleijar o animal; mas a
perspectiva de perder o animal na corrida era um pequeno contratempo comparado
ao problema que a fera indomável estava causando, então o índio resolveu usar o
último recurso. Ele então pegou as
boleadeiras, conforme a descrição feita anteriormente, segurando a bola pequena
na mão direita sem deixar de perseguir o cavalo, rodando-as em círculos sobre
sua cabeça até que ele viu a oportunidade certa; quando ( há cerca de 40 jardas
de distância) ele lançou-as com força contra o animal. A boleadeira voou
rodopiando pelo ar e se emaranhou completamente nas patas traseiras do animal.
Assim prejudicado, o furioso cavalo se arrastou por 1 milha,(pois não podia
galopar e literalmente se arrastou) até que a fadiga o compeliu a parar e então
o índio, com grande destreza jogou o laço sobre a sua cabeça e manteve-o
apertado no seu pescoço. Eu estava curioso para saber como ele soltaria as
bolas, que estavam torcidas de uma maneira extraordinária ao redor das patas
traseiras do animal, porém eu não ofereci ajuda e assisti ele resolver o
problema sozinho. Ele começou por desmontar e ainda mantendo o laço apertado, amarrou um nó com o fim
do laço ao redor das 4 patas do cavalo, com o que, em apenas um momento, ele se
atirou sobre a lateral do cavalo e colocou seu pé no pescoço do animal, mas sem
afrouxar aquela parte do laço que estava rodeando o pescoço e rolou para baixo
até atingir as patas traseiras , das quais ele desembaraçou a boleadeira.
Depois disto ele soltou o nó que amarrava as patas e permitiu que ele levantasse,
puxando-o junto com seu cavalo.
Quando nos reunimos aos companheiros, chegamos a uma casa de
fazendeiro, que era também um tenente auxiliar, situada em um local muito romântico;
de um lado, a visão é limitada por montanhas, e por outro lado, abre-se para um
grande horizonte, onde bosques, lagos e rios são um alívio charmoso um para o
outro.
O campo é muito
fértil, e as partes não cultivadas abundam , e também há um número imenso de
cavalos selvagens e gado; avestruzes,
que também são muito abundantes aqui.
Fomos recebidos com hospitalidade, e providos com boas acomodações de todo tipo.
5º dia de viagem
Pela manhã continuamos nossa jornada.
Ao meio-dia chegamos a uma fazenda muito pobre, onde não
obtivemos refresco, apenas um pouco de leite e nós, portanto, tivemos que
recorrer às provisões que tínhamos trazido conosco, e à noite, acabamos em uma
fazenda não muito melhor do que a que tínhamos recentemente deixado, e nesta
passamos a noite.
6º dia de viagem
Na manhã seguinte, cerca de dez horas, chegamos a um rio,
que passamos a vau e, ao meio-dia, chegamos a umas cabanas de pescadores nas margens do rio,
perto de sua foz e fomos novamente obrigados a almoçar das nossas próprias
provisões e, em seguida vadeamos o rio uma segunda vez. Cerca de cinco horas da
tarde, chegamos a um conjunto de cabanas em ruínas, ocupado por alguns negros,
e havia uma nova casa inacabada a uma pequena distância. Aqui não encontramos
nada além de um pouco de carne, leite e ovos, e as cabanas dos negros eram tão
ruins e imundas , que era impossível
entrar sem sentir nojo; a casa nova estava fechada, as janelas foram
barradas no interior, uma porta estava trancada por dentro, a outra fechada, e
o proprietário, que tinha ido para outra propriedade que ocupou a uma distância
considerável, tinha a chave com ele. Nesta situação, muitas vezes eu deitei nos
campos, mas eu não me sentia disposto a
fazê-lo, quando uma boa casa aparecia, mas a dificuldade era como entrar nela.
Não podíamos forçar as janelas sem provocar danos, tendo em
conta a resistência das barras, mas uma abertura de tamanho considerável sobre
cada porta, embora pequena demais para rastejar através dela, deu-nos uma visão
do interior da casa. Ao olhar através do buraco sobre a porta que estava
trancada, eu poderia perceber por onde estava localizado o ferrolho no interior
da outra porta; uma pessoa foi segurada pelo resto de nós, e colocando o braço
e um longo pedaço de pau através da abertura sobre a porta trancada, com muita
dificuldade, depois de uma série de esforços inúteis, retirou o ferrolho. Encontramos
a casa totalmente sem mobília, mas
havia um pedaço de bacon e queijo, o qual usamos para
aumentar a nossa refeição. Nós
em seguida, fizemos nossas camas dos nossos panos (carona)do
cavalo fomos descansar.
7º dia de viagem
Na manhã seguinte, quando já prontos para partir, resolvemos
“aprontar” com o nosso senhorio e, foi isso foi feito obstruindo por dentro o
ferrolho da porta trancada, de modo a tornar a sua chave inútil. Em seguida, todos
saíram, exceto o menino Richards, que, tendo trancado a outra porta, montou uma
pequena plataforma, com a ajuda da qual ele alcançou o buraco por cima da porta.
Através deste, com dificuldade, nós o puxamos, e depois de ter empurrado para
baixo a plataforma com uma vara, subornamos os negros pelo sigilo e partimos,
deixando o proprietário, com sua engenhosidade, maquinar como poderia entrar em
sua própria casa.
A noite estava quase escura quando chegamos aqui, mas a bela
vista que se descortinou na parte da manhã, fez-me sair deste lugar com
arrependimento. Os campos ao redor eram surpreendentemente férteis e abundantes
em todas as coisas, a casa onde estávamos era localizada cerca de meia milha de
distância de um lago nobre e extenso, limitado por uma margem de grama
luxuriante ,e, além, surgiu um bosque de árvores que nunca perdem o seu verdor,
enquanto a cadeia de montanhas, que corre ao longo da costa, limita a vista, e
todos estão harmonizados, de forma pitoresca, com o azul puro do céu.
Tendo desistido deste bonito cenário, prosseguimos com a
nossa marcha e tendo-nos refrescado em uma fazenda, chegamos a Torres,
um forte situado em uma proeminência no mar, situado nas fronteiras da
província de Rio Grande.
Cerca de 1 légua antes de chegarmos à Torres, a estrada nos
conduziu para baixo, ao longo da costa do mar, onde viajamos ao longo da areia,
próximos da água, por uma considerável distância. Aqui tivemos uma vista total
da montanha, na qual o forte foi construído, e de outra altura, cada uma das
quais apresenta uma face perpendicular das rochas ,de impressionante altura, até
o mar. Estas com algumas pequenas ilhas escarpadas, muito perto da costa,
exibem uma vista majestosa e formam um contraste surpreendente com as cenas de
fertilidade que recém deixamos. O forte que pensei, poderia ter sido
inexpugnável, mas no seu estado presente , dificilmente merece o nome. Algumas
baterias foram começadas, mas nenhuma foi terminada, nem eu vi mais do que duas
armas montadas.
O soldado que tem sido nosso condutor na marcha, estava
agora tão fatigado, que repouso era indispensavelmente necessário à ele. Seu
empenho tem sido surpreendente, porque ele tinha o comando de tudo , ele tinha que percorrer, no
mínimo 3 milhas a mais que nós; meu servo, igualmente, estava totalmente
desgastado; eu, portanto, consenti numa parada de 24 horas; à isto eu fui o mais
prontamente induzido pela sociedade em que encontrava-mo-nos ser a mais
agradável possível e pelo tenente que comandava, ter duas filhas adoráveis que
cantavam deliciosamente e tocavam com muito gosto a harpa e outros
instrumentos.
8º dia -descanso
Na manhã seguinte à nossa chegada, eu explorei a montanha na
qual o forte está localizado, bem como a outra adjacente. A rocha forma uma
enseada, ao fundo da qual está uma caverna inacessível; nisto, mesmo em um
clima moderado, o mar ruge com um tremendo barulho, que pode ser ouvido a
muitas léguas de distância, e algumas vezes, em fortes vendavais do leste, o
mesmo se levanta acima dos penhascos.
Por isso, assim como , do forte de Torres, nós podíamos
distintamente ver aquelas pequenas ilhas rochosas, que eu mencionei antes;
deste local elas pareciam vivas pelo grande número de focas¹ com que estavam cobertas. O tenente mostrou-me várias peles
das que ele havia matado, muitas das quais eram completamente tão largas e
ásperas quanto um couro de touro.
Estas são as fronteiras mais ao norte da província do Rio
Grande e apesar de fracamente povoada, o tenente assegurou-me que ele poderia,
a qualquer hora que fosse requerido, juntar quinhentos homens em 24 horas²,
todos eles treinados para usar armas.
Eu devo aqui salientar que este cavalheiro era mais do que
medianamente inteligente e muito capaz de brilhar em uma esfera mais alta do que
aquela em que estava.
As únicas mercadorias deste fértil e bonito país são o milho
e as peles. Com o primeiro, eles abastecem o resto do Brasil e o último é
exportado para o Rio de Janeiro e dali para a Europa.
As cavalgaduras brasileiras poderiam ser consideradas as
melhores do mundo, especialmente as destes campos: os cavalos são excelentes e vivem onde um cavalo europeu não
conseguiria. Os homens são robustos e resistentes, são acostumados desde a
infância à sela, suportam a fadiga no lombo de um cavalo de maneira assombrosa.
Todo dragão de milícia, além do seu cavalo, que ele monta, tem de 2 a 5
sobressalentes, que acompanham o regimento; ele carrega, além das armas usuais
de um cavaleiro, o laço e a boleadeira, e quando o seu cavalo cansa da jornada
,ele o solta e pega outro, que imediatamente monta. A sua elegância é notável,
mesmo os seus adereços, suas grandes esporas e punho da espada são de prata
maciça. Os habitantes da província do Rio Grande diferem consideravelmente
daqueles do resto do Brasil, tanto quanto daqueles de Portugal; eles são ativos
e trabalhadores, notavelmente hospitaleiros com
estrangeiros e exibem
fortes traços de animação e bom temperamento em todo olhar.*
Notas da pesquisadora:
1-
Provavelmente eram leões-marinhos, que
atualmente ainda aparecem nas pedras de Torres.
2-
Sabe-se que não era bem assim, pois a coroa
tinha dificuldade em conseguir soldados para as suas milícias devido a falta de
pagamento dos soldos, falta de treinamento, falta de vestimenta adequada e à
dificuldade da vida militar errante e penosa em tal província.
* - Grifos meus.
* - Grifos meus.
The Life of Major J. G. Semple Lisle, por J.G.Semple Lisle- 1797
London, Printed
for W. Stewart, No. 194, Opposite York House, Piccadilly, 1799
O livro está disponível digitalmente , em versão original em
inglês. https://archive.org/details/lifemajorjgsemp00sempgoog
Tradução livre feita pela pesquisadora.
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